O telefone tocou às três da manhã. Atendeu. A voz do outro lado disse que estava com sua filha. Voz firme, não era uma voz conhecida. Prosseguiu. Ela tá aqui amarrada. Se a senhora não der o que a gente quer até o meio dia, adeus.
Não gostava de ser chamada de senhora. Mas isso era o de menos. Estaria pálida, imaginou, pois sentiu um formigamento na face. Começou a tremer. Sua filha havia saído com amigas e voltaria sozinha, de táxi.
Perguntou o que queriam. Pagaria o que fosse preciso. E o que pudesse, que era bastante. Quarenta e nove árvores na Rua Carlos Streach Motta, número 104, um terreno baldio, há muito abandonado pela prefeitura.
Árvore... de que tipo? Tem uma lista na caixa de correspondência da senhora, responderam. Senhora de novo. Foram cuidadosamente selecionadas. Algumas mais baixas, outras mais altas. Com uma capina e cuidados esporádicos, o lugar ficaria muito belo. Mas disso, cuidavam eles. Só queriam as mudas.
Quem ficou muda foi ela. Árvores... não seria mais simples o dinheiro? Quanto valem as árvores? Antes do meio dia o dinheiro estaria no banco, em uma lata de lixo, um beco, onde quisessem, o quanto quisessem.
Não. As árvores. Desligou.
Sete horas depois o amigo arquiteto já havia conseguido trinta e seis mudas. Garantidas para entrega rápida, mais doze. Até agora, 48. Uma faria diferença? Com bandido não se brinca. O Ipê Amarelo tinha que ser conseguido.
Ao meio dia, todas as árvores estavam no terreno, ainda não plantadas. Todas em bonitos vasos de plástico. Às vezes, plástico é bonito.
O telefone toca. A menina está na Rua Francisco Lora.
A polícia fez cerco durante dias ao terreno baldio. Ninguém apareceu. Algumas mudas morreram, apesar das chuvas.
Às três da tarde, quinze anos depois, o carteiro passa pelo número 206 da Rua Manoel Cintra, antigo 104 da Rua Carlos Streach Motta. Coloca um envelope na caixa de correspondência do prédio. Lindo aquele Ipê Amarelo no jardim. Que bom gosto. Deveriam plantar mais dessas árvores por aí.
Um comentário:
Tendi nada!
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